Uma tempestade começa a atravessar o mundo árabe. Os primeiros sinais estoiraram em Argel com grandes manifestações contra a subida dos preços. Foram controladas pela repressão policial, até ver. Nos vizinhos dos lados o mau estar cresceu. Em Marrocos a monarquia, quase feudal, tenta evitar a ira popular controlando os preços. Na Tunísia as primeiras manifestações reprimidas brutalmente pelo partido de Ben Ali foram o primeiro passo para a explosão popular que pôs o ditador em fuga e recusou os primeiros governos propostos pelo primeiro-ministro, em que figuras do passado continuavam a desempenhar papel relevante. O povo permanece na rua exigindo o afastamento e a dissolução do partido de Ben Ali.
A inquietação dos EUA e seus aliados ocidentais com o rumo dos acontecimentos na Tunísia, acabou a disparar todas as sirenes de alarme quando as movimentações populares se estenderam ao Egipto, ao Iémen e têm uns fogachos na Jordânia.
Não é para menos. São todos firmes aliados do ocidente e da política dos EUA, da Nato e de Israel para essa região.Não se deve esquecer que na Tunísia, o RCD, o partido de Ben Alli, era membro da Internacional Socialista, de que foi expulso a correr quando o político tunisino já era uma inutilidade a voar para a Arábia Saudita. Ganhou em 2009 as eleições que os EUA e a União Europeia consideraram justas e livres. Como curiosidade lembre-se que foi para a Tunísia que Bettino Craxti, líder do Partido Socialista Italiano, fugiu quando foi acusado de corrupção e onde Mário Soares, então primeiro-ministro de Portugal, lhe fez uma visita para seu reconforto.
Se o rumo da Tunísia, do ponto de vista ocidental, é alarmante, o Egipto, pela sua importância política, militar e económica, pela sua situação geográfica, placa giratória da política dos EUA para África e Ásia, com uma fronteira incendiária com a Palestina, a faixa de Gaza onde o Hamas é dominante, e com Israel, torna-o centro de todas as atenções. O quadro político do Médio Oriente que irá certamente sofrer alterações na sequência do que ainda não se sabe irá acontecer, pode sofrer um abalo decisivo.
As ditaduras de Ben Alli e Mubarak, mantinham-se no poder eleitos em sucessivas eleições “livres e justas” supervisionadas pela comunidade internacional que as carimbava, têm traços comuns muito fortes. As suas políticas económicas eram tuteladas pelo FMI. Há mais de vinte anos que os ditames do FMI e do Banco Mundial determinam a ordem económica nesses países. Os comandos dos seus exércitos são instruídos em Saint-Cyr ou em West Point e equipados pela França e pelos EUA. As suas políticas internacionais alinham com os interesses ocidentais e são firme suporte de Israel. Na prática, esses ditadores eram os homens de mão dos grandes interesses dos Estados-Unidos e do grande capital, independentemente de quem está ao leme do comando político.
É evidente a preocupação dos EUA e seus aliados em colocar no poder políticos seus amigos, agora recrutados na oposição. A agitação alvoroçada tomou conta das chancelarias ocidentais. O frenesim é visível, com as declarações de Obama e Hilary Clinton, Merkel, Sarkozy, Cameron. A actividade invisível, desenvolvida sobretudo pelo NED (National Endowment for Democracy) e a Freedom House, que surgiram nos EUA na era Reagan para desempenharem o papel CIA, da AFL-CIO e da US Chamber of Commerce, deve ter proporções inusitadas.
Lembre-se que é o NED e a FH quem, em estreita cooperação com o Congresso dos EUA, o CFR (Council of Foreign Relations) e a CIA, tem financiado a oposição democrática aos ditadores amigos eleitos democraticamente. Um monumento à hipocrisia e ao cinismo.
Tanto hoje Hilary Clinton como, no passado recente, Condoleeza Rice, receberam delegações de jovens quadros egípcios na oposição ou colaborando criticamente com ele, ao abrigo do programa New Generation da Freedom House. Rapaziada promissora que andou por Washington em reuniões com a sociedade civil, secretários de Estado, os Conselheiros para a Segurança Nacional, membros do Congresso. No dizer de ambas representavam a “esperança para o futuro do Egipto”. Diziam isso enquanto abraçavam fraternamente Hosni Mubarak, incentivando-o a prosseguir as suas políticas alinhados com os interesses norte-americanos.
Tudo isso está agora em perigo quando centenas de milhares de árabes, mesmo milhões, enfrentam os canhões de água, o gás lacrimogéneo, o fogo real exigindo o fim de ditaduras com mais de trinta anos. A história está a fazer-se nas ruas, o contágio já se faz sentir no Iémen e o clima de tensão acentua-se na Arábia Saudita, em Omã ou na Jordânia. Todos eles regimes que são instrumentos da estratégia dos EUA para o Médio-Oriente.
O futuro é imprevisível. As movimentações de massas são, aparentemente, movidas pelo espontaneismo. Não apareceram, pelo menos com visibilidade, partidos ou movimentos que assumam um sentido, uma direcção nessas revoltas. Alguns sinais são insuficientes para traçar um quadro futuro. Não é pelos Irmãos Muçulmanos, a sua linha política não é clara, no Egipto terem assumido a defesa do Museu do Cairo e de outros monumentos nacionais ameaçados pelo saque, substituindo-se a uma polícia e exército a braços com outras preocupações, que os colocam na frente das movimentações de massas que ouvem um El Baradei, político da confiança do Departamento de Estado, enviado à pressa para meter nos eixos a fúria popular mas a quem, por enquanto, pouco ligam.
É provável que o povo, sujeito histórico desse furacão político consiga impor revoluções democráticas nacionais apesar de todas as movimentações que estão a ser freneticamente desenvolvidas para que esse sentido se inverta, para que a mesma política das ditaduras prossiga por “meios democráticos”, venham eles de onde vierem sejam laicos ou religiosos.
O que acontecer nos países árabes, com o Egipto em grande destaque, vai determinar a política mundial. Qualquer que seja o futuro, num primeiro momento representa uma derrota nas políticas imperialistas ocidentais. Terá consequências. O jogo desenrola-se em vários tabuleiros e pode ter as conclusões mais inesperadas.
Estou a ver qual é o seu problema, estou! É você pensar que pensa sempre pela sua cabeça! Dizendo isto está tudo dito!
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E você, Manuel, pensa sempre pela sua cabeça? Creio já lhe ter dito: politicamente, comecei efectivamente a fazer isso em 1985 quando, ao contrário do que me «mandavam», decidi não votar em Salgado Zenha. E, nestas últimas eleições, o que fez o senhor?
Entretanto, espero que visite o Obamatório e deixe lá o seu contributo regular. Olhe, pode começar por este texto… talvez «goste» de o ler! 😉
http://obamatorio.blogspot.com/2011/01/marca-amarela.html
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Tem razão, não penso sempre pela minha cabeça.
Penso com a minha cabeça, com dúvidas permanentes e certezas provisórias. A vantagem é a de em vez de me “mandarem” ou “darem ordens” discutem comigo. Discussões árduas, por vezes ásperas. Umas vezes fico com a razão da maioria, outras com a razão da minoria. Neste último caso aceito obviamente a razão da maioria, o que não significa que abdique da minha razão. Sinto-me obrigado a questioná-la mais fundamente. A virtude que penso existir em não pensar só pela minha cabeça é estar sempre aberto ao confronto de ideias, ao questionamento das soluções, que nunca são definitivas. A vantagem desta prática é que, como já referi, nunca me “dão ordens” nem “mandam”, com ou sem aspas e, sobretudo, não me limitar a vulgatas.
Claro que no íntimo tenho inveja, pequena, mas inveja, de quem só pensa pela sua própria cabeça, algo só alcançável por seres excepcionais, possuidores de vastíssimos conhecimentos culturais e de inteligência muito acima da média, a roçar a genialidade, coisas que não tenho a pretensão de estar ao meu alcance.
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«Pensar pela sua cabeça» significa para mim, obviamente, tomar a última decisão após um processo de reflexão… em que, logicamente, se têm em conta outras opiniões e influências; é fazer a síntese com diferentes teses e antíteses. É uma manifestação básica de personalidade própria. Exemplos contrários? Precisamente, o votar em alguém apenas porque «o partido manda»; ou passar a «escrever» segundo o acordo ortográfico porque uma «lei» (imposta por um bando de pervertidos) assim o «obriga».
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Fica-me a dúvida, perante o passado de El Baradei, se ele será o político de total confiança do Departamento de Estado. Estranho de facto o seu rápido aparecimento, que faz acreditar em cumplicidades. Mas se calhar é por não terem outro melhor. Os próximos acontecimentos, que parecem estar a acontecer muito rápidamente, vão deixar-nos ver tudo mais claro.
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Manuel, aquilo que designa como «derrota nas políticas imperialistas ocidentais» poderá traduzir-se no estabelecimento de mais regimes fundamentalistas – e terroristas – islâmicos. Acha isso preferível?
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Octávio
1º – Para si os regimes fundamentalistas islâmicos são todos maus? Tento no que escreve. Os ideólogos do imperialismo norte-americano que v. tanto aprecia ainda lhe dão umas palmatoadas. Não se fala assim da grande amiga Arábia Saudita, país em que o Corão substitui uma Constituição e a Sharia é aplicada com rigor!
2º – Se em relação ao Egipto, v. quando refere o fundamentalismo islâmico está a apontar para a Fraternidade Muçulmana, partido político religioso, deve baixar o seu nível de preocupações. Está a esquecer a longa história de colaboração da Fraternidade com as secretas ocidentais, sobretudo a britânica e a norte-americana. Colaboração que vem de longe, quando o MI5 e a CIA financiaram e apoiaram activamente a Fraternidade Muçulmana, com o objectivo de derrubar Nasser.
3º – Para si os fins justificam os meios? Quaisquer géneros de princípios vão para o caixote do lixo em função dos objectivos? Para si quem quer que acabe por assumir o poder no Egipto, um outro ditador que não Mubarak, uma democracia fantoche ou um regime fundamentalista islâmico desde que amigo dos EUA é bom e continuará a ser merecedor do maior apoio externo norte-americano, se exceptuarmos Israel, que se cifra nuns 1 500 milhões de dólares/ ano, desde que continue a ser, com novo fardamento, o seu polícia no mundo árabe?
4º – A derrota da política imperialista foi o não ter conseguido substituir Hosni Mubarak, como estava nas suas previsões e estava a ser activamente preparado pelas duas últimas Secretárias de Estado, Rice e Clinton, em tempo útil de modo a evitar a explosão popular que tem sempre um alto grau de imprevisibilidade. Essa derrota não significa que a batalha esteja perdida. Longe disso. Para isso suceder seria necessário que um partido ou um movimento tomasse a direcção da luta de massas com objectivos muito precisos: não promover uma mudança de regime mas fazer um corte radical com o regime, desmantelar as políticas neo-liberais que tem empobrecido o Egipto nos últimos vinte anos, encerrar as bases militares dos EUA no Egipto, promover uma verdadeira política de paz no Médio-Oriente. Em suma estabelecer um governo realmente soberano.
5º – É ver e pensar curto ler o texto e só ter para colocar a questão que coloca mas é esclarecedor em relação às suas preocupações políticas.
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Sim, Manuel, para mim, e por definição, TODOS os regimes fundamentalistas islâmicos são maus… ou péssimos. Incluindo o da Arábia Saudita. Já me devia conhecer o suficiente para saber que eu penso sempre pela minha cabeça, que não recebo «palmatoadas» seja de quem for… e que sou contra todas as ditaduras, quaisquer que sejam as suas «orientações». Pode dizer o mesmo? Se sim, de certeza que também condena a cubana, a chinesa, a norte-coreana… e a iraniana, em relação à qual eu gostaria de ter lido palavras suas de condenação quando, em 2009, Ahmadinejad mandou os seus facínoras reprimir manifestantes que protestavam contra mais uma «chapelada» em eleições a favor dos «ai-as-tolas».
E quanto àquilo que a Fraternidade Muçulmana começou por ser há não sei quantas décadas, e os supostos apoios que recebeu então por parte da CIA e do MI5… isso pouca ou nenhuma importância tem hoje. Lembra-se do que aconteceu com os talibãs e outros «combatentes pela liberdade» no Afeganistão nos anos 80? Depois de receberem apoio dos americanos contra os russos, não hesitaram, quais cães raivosos sem honra que eles são, a virarem-se contra aqueles que os haviam ajudado.
A questão é que, hoje, a «fraternidade» recebe as suas ordens de Teerão… e o egípcio E-Baradei, enquanto esteve encarregado de «vigiar» o programa nuclear do Irão, não se preocupou muito em certificar-se que os islamo-fascistas não obteriam A bomba. Está a ver qual é o problema?
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