Uma mentira muitas vezes repetida torna-se verdade. Será assim enquanto deixarmos que seja assim. Repetir muitas vezes a mesma coisa também funciona. Primeiro estranha-se depois entranha-se, diria o Fernando Pessoa. Vezes sem conta ouvimos elogios a Cavaco Silva atribuindo-lhe qualidades que não tem. Esperam que funcione.
Ainda ontem, no debate com Francisco Lopes, depois de o ouvirmos debitar uma gaguejante cassete, sempre a fugir a sete pés com o que Francisco Lopes, fundamentadamente, o atacava, houve quem considerasse que o professor tinha tido uma boa actuação.
Fez um inacreditável elogio da cobardia “ se alguém insultar os mercados internacionais vai haver prejuízo para a economia nacional”. Os comentadores do costume não ficaram nauseados por ter um presidente, um candidato a presidente, que publicamente se dispõe a andar de cócoras e de calças na mão perante dos mercados. Provavelmente alguns até consideram que o professor estava a dar uma lição. E estava. Estava a explicar o manual de como bem servir os senhores, com salamaleques e espinha bem curvada, enquanto eles nos mijam em cima. Um nojo.
Nada disso interessa quando os vendidos ao poder ocupam praticamente todos os espaços da comunicação social, asfixiando o pensamento crítico. Repetir, repetir sem parar as mesmas banalidades, as mesmas receitas, para inventar um perfil em quem não tem nenhum. Até querem fazer passar a ideia que Cavaco Silva tem boa imagem quando é de toda a evidência que a sua melhor imagem rivaliza com a dos piores manequins da rua dos fanqueiros.
Querem colar à força o selo de homem impoluto. No debate, quando confrontado com as negociatas do universo BPN, o banco que financiou a campanha eleitoral anterior e onde pontificavam seus amigos do peito, deu uma resposta finória, reprodução do comunicado que a Presidência da República fez quando estourou o escândalo BPN: “nada tenho a ver com o BPN” etc.
Impoluto?
Ano 2001
Cavaco Silva e a filha compraram, por um euro acção, 264 mil acções da SLN, detentora do BPN, acções que não eram cotadas em Bolsa?
Como é que foi fixado o preço de 1 euro por acção, se as acções não eram cotadas?
Ano 2003
Expresso on- line: «Cavaco Silva e a filha deram ordem de venda das suas acções, em cartas separadas endereçadas ao então presidente da administração da SLN, José Oliveira Costa. Este determinou que as 255.018 acções detidas por ambos fossem vendidas à SLN Valor, a maior accionista da SLN, na qual participam os maiores accionistas individuais desta empresa, entre os quais o próprio Oliveira Costa.»
Deu ordem? Como as acções não estavam cotadas em Bolsa, não podia dar ordem, podia esperar pela boa vontade de Oliveira e Costa em comprar as acções. Oliveira Costa fez-lhe esse favor determinando quem comprava, a SLN Valor, maior accionista da SLN, e fixando o preço. Em dois anos Oliveira e Costa ofereceu a Cavaco Silva e filha uma mais-valia de 72 mil euros para cada um. A questão do valor da venda é igual à da compra. E em dois anos ganhar 140% com acções não cotadas de sociedades e bancos que já andavam sob suspeição das entidades reguladoras, não é para qualquer um. É quase como comprar vigésimos premiados. Nem a Dona Branca oferecia mais.
Assim são os amigos do peito que ajudam os ratos a saltar do barco que se estava a afundar. No BPN o cheiro do esturro já era grande e o outro grande amigo de Cavaco Silva, Dias Loureiro, andava a reclamar dos olhares que o Banco de Portugal intrometia nas negociatas do BPN pelos vistos não muito eficazes como todos comprovámos. Actividade relatada por António Marta, na altura vice-governador do BdP, confirmada por Oliveira e Costa.
Histórias de um homem impoluto e com sentido de Estado como mostra aquela história das escutas de Belém, digna de refinado onzeneiro.
É esta coisa que vai ser o “nosso” presidente durante os próximos anos?
Será para quem quiser continuar a viver nesta pocilga, onde essa maltosa chafurda em benefício próprio.
NÂO!