VIDAS ONDE TUDO SE PERDE,
NADA SE CRIA
Thomas Pynchon é um dos escritores norte-americanos mais referidos entre os da geração que surgiu no mundo literário no século XX. Tem poucos livros publicados, todos de assinalável dimensão, com a excepção de “Leilão do Lote 49”. É também conhecido por se fechar à mundanidade, o que decidiu depois de publicar, em 1963, o seu primeiro livro “V”, distinguido pelo prémio da Fundação William Faulkner. Tinha 26 anos, trabalhava como escritor técnico da Boeing. A partir daí a sua biografia é um vazio. As fotografias datam dos finais dos anos 50, recusa-se a dar entrevistas e quando foi apanhado, nos anos oitenta, por repórteres da CNN em Manhattan, negociou o não visionamento público das imagens trocando-o por uma curta entrevista sem imagens, em que explicou que não vivia como um recluso, “não gosto é de falar com repórteres”, e mergulhou de novo no anonimato.Os seus livros são sempre um acontecimento literário. Editado nos EUA, em 2009, “Vício Intrínseco” é o seu oitavo e último livro publicado. Parece ser um livro policial, porque se suporta numa investigação conduzida por um detective privado, com ressonâncias de Philipe Marlowe e Sam Spade que trocou os álcoois e os cigarros pelas ganzas de marijuana, o que faz flutuar as inquirições numa nuvem de falsa euforia a estampar-se nas curvas e contracurvas da vida.
É sobre a vida, essa vida onde tudo se perde e nada se cria, que é uma curte, uma “trip” que Thomas Pynchon escreve, fazendo dela um complexo enredo a irromper pelos cenários da cultura pop e hippie do final dos anos 60, na Califórnia. As pistas policiais perseguidas, são pretexto para introduzir e saltar de personagem para personagem, das mais previsíveis às mais estranhas, habitantes de um universo absurdo, esquizofrénico, em que crimes e pseudo crimes se sucedem num quase delírio. Tudo isso é registado numa escrita burlesca de grande fluência, o que a faz parecer quase espontânea, carregada de humor, cruzando com rara intensidade diversos conhecimentos e saberes, mas histórias sempre no fio da navalha da paranóia, o que é um traço distintivo das obras de Thomas Pynchon, autor quase secreto de obras memoráveis.
(texto publicado no Leituras / Guia de Eventos Setúbal Novembro 2010)