A cimeira do G-20 deve terminar sem nenhum resultado conclusivo. O mundo mudou muito nos últimos cinquenta anos. A maior evidência dessa alteração é a impossibilidade actual de os EUA obrigarem os outros países a financiarem e subsidiarem a sua economia, prática que consolidou, durante décadas, a sua posição como maior economia do mundo e que, visivelmente, é agora insustentável.
A reunião preparatória dessa cimeira G-20, realizada nos dias 22 e 23 de Outubro em Gyeongjiu, Coreia do Sul, pelos ministros das finanças dos países que o integram, tinha terminado com uma cheia de nada, como se percebia no longo comunicado que emitiram.
As novidades eram semânticas, o que parece ser o campo mais adubado da moderna ciência económica, debitando receitas, sempre as mesmas, travestidas com novas fraseologias. Dizia que se deviam “prosseguir as reformas estruturais para melhorar e manter a procura global, promover a criação de emprego e aumentar o potencial de crescimento”. Grossa novidade, como se sabe. Acrescentando que, nos países avançados, “se deviam desenvolver e implementar planos de consolidação fiscal claros, credíveis, ambiciosos e favoráveis a médio prazo, em conformidade com os compromissos da Cimeira de Toronto, diferenciados de acordo com as circunstâncias nacionais”. Se dúvidas houvesse, em que as anteriores exortações à regulação para dar transparência às manobras financeiras ficavam por retóricas menos exaltadas, o referido comunicado tirava dúvidas: “manter os compromissos para implementar todos os aspectos da agenda de regulação financeira do G-20, de modo internacionalmente congruente e não discriminatório, incluindo os compromissos sobre os derivados extra-bolsistas, as práticas remuneratórias, as normas e os princípios do FSB (Finantial Stability Board) para reduzir a confiança nas agências de notação creditícia (…) prosseguir o nosso trabalho para abordar decididamente as jurisdições não-cooperantes”. O resto do comunicado não sai fora desse tom, em que as grandes novidades são as mudanças de significados, “consolidação fiscal” que na realidade quer dizer cortes fiscais e sociais, “práticas remuneratórias” em vez de bónus dos operadores bancários, “jurisdições não-cooperantes” nova forma e nomear os famosos paraísos fiscais. Para lá dessas cortinas de fumo, o sistema continua, é, irreformável.A cimeira do G-20,agora a decorrer em Seul, demonstra-o claramente. O comunicado final também deverá ser irrelevante.
Entre esse encontro preliminar de ministros das finanças, o Brasil nem se deu ao trabalho de comparecer outros países enviaram personagens secundários, e o encontro de Chefes de Estado, a Reserva Federal Americana pôs em marcha um plano para injectar 600 mil milhões de dólares na economia norte-americana, um programa de estímulos que terá como consequência desvalorizar o dólar. Programa que a Alemanha e o Brasil mais viva e visivelmente criticaram. O Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Greitner, respondeu hipocritamente negando as evidências, garantindo que os Estados Unidos não desvalorizavam deliberadamente o dólar para promover as exportações. A China logo afirmou que não está disposta a alterar a sua política cambial de indexação do yuan ao dólar, sublinhando que essa “política quantitativa de estímulo vai ter forte impacto nos países em desenvolvimento, incluindo a China” e que “os EUA não devem obrigar os outros o medicamento para a sua própria doença”. Mais do que devem, os chineses sabem que os EUA já não podem pelo que, de caminho, vão insinuando quanto o dólar, e a economia norte-americana, dependem das políticas económico-financeiras da China.
Entre os três blocos, EUA e o seu satélite Grã-Bretanha, a União Europeia com a Alemanha no comando e a França de co-piloto, os países emergentes, Brasil, União Indiana, Rússia e, principalmente, China, o desacordo é total.
O crescimento equilibrado e sustentável é uma miragem. As políticas proteccionistas dos próprios são negadas, em nome do mercado e do comércio livre, aos outros. A guerra cambial vai continuar. O dólar já não consegue impor a sua lei, o que garantia a prosperidade dos EUA, sugando-a do resto mundo. O euro balança fortemente, sob os ataques do dólar. A Alemanha vai-o defendendo, usando a União Europeia em proveito próprio. Dilui os seus enormes excedentes comerciais no espaço europeu considerando-o um todo quando lhe convém e fragmentando essa mesma UE nos países que a compõem,quando não se quer comprometer com as dificuldades da Irlanda, Grécia, Portugal ou Itália, negando-lhes instrumentos, como os da desvalorização da moeda, com que se poderiam defender para enfrentar os seus défices comerciais. Objectivamente todos os países que integram a EU, são vítimas do saldo positivo alemão (releia-se o que Demétrio Alves publicou no nosso blogue). Quer dizer, a Alemanha faz internamente na EU, os que os EUA tinham vindo, até há muito pouco tempo, a fazer ao mundo. Agora nem uns nem outros têm poder económico e financeiro suficiente para imporem os seus ditames, sobretudo, aos chamados países emergentes, que praticamente detém o comando da economia mundial. São eles que captam a maior fatia do investimento internacional. São eles que já são o maior bloco exportador mundial, nomeadamente das novas tecnologias. São eles que olham com desconfiança para as moedas tradicionais, e pouco a pouco, se preparam para as substituir por outra moeda padrão.
O futuro é cada vez mais incerto, imprevisível, mesmo perigoso. A história não se repete, mas de forma diversa, com enquadramentos diferentes, as crises económicas quando atingem pontos violentos de rotura tem sido resolvidas pelo recurso à guerra. Hoje quem detém o poder económico ainda é militarmente mais fraco e quem está definitivamente a perder o poder económico é militarmente mais forte. Um motivo de forte reflexão com a cimeira da NATO ( ver post de Carlos Anjos) a bater à nossa porta.