Uma das ideias mais complexas que se desenvolveu na sociedade portuguesa nos últimos anos, motivada, em grande parte, pela inoperância dos poderes públicos, foi a de que não vale a pena fazer seja o que for para resolver problemas, porque nada se resolve. Ou, numa versão mais aprofundada desta ideia, que não é com manifestações que os problemas se resolvem, que não é por vir para a rua protestar que algo muda. Isto num país que, nos últimos vinte anos, aprendeu a protestar e reclamar, por tudo e por nada, nos serviços públicos e nos serviços privados, a recorrer a livros de reclamações, a petições online, a cartas aos órgãos de soberania…
A ideia de que não é com manifestações, greves e outras formas de protesto que podem e devem ser usadas como último recurso que as coisas se resolvem é, aliás, talvez uma das maiores conquistas do capitalismo das sociedades europeias, embora com variações de país para país que importa destacar. Em Portugal, a ideia de que protestar e lutar nada resolve ganhou uma notável dimensão que muito convém a quem nos governa por estes dias e a quem nos poderá governar em breve. É pena, ainda que se assistam a movimentos que podem, talvez de forma surpreendente, contrariar esta tendência.
O que se passou hoje com o recuo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo na decisão de encerrar no período nocturno as urgências pediátricas dos hospitais de Setúbal e do Barreiro, concentrando-as apenas no Garcia de Orta, em Almada, evidencia que mesmo a ameaça de protesto, como a que sucedeu, com a marcação de uma vigília para as 19h00 de hoje, em frente ao hospital de Setúbal, pode surtir efeitos. O papel das redes sociais na mobilização para esta vigília foi, aliás, de uma importância enorme e demonstra como estas redes podem ser um instrumento de primeira linha no combate às injustiças, à irresponsabilidade e à insensibilidade. O que é fundamental é que as pessoas se unam para defender os seus interesses e o manifestem publicamente. Numa palavra: que lutem!
Há que não ter medo das palavras. O recuo da ARSLVT foi resultado de uma luta bem sucedida, de um protesto que ganhou dimensão porque as pessoas compreenderam imediatamente o que estava em causa: a saúde dos seus filhos.
Pena é que os únicos que não compreenderam isto tenham sido aqueles que mais deveres tinham: os médicos que dirigem a ARSLVT.